Elfos são criaturas sábias e belas, que vivem em florestas, em harmonia com a natureza, distante dos humanos, possuem rixas com os anões e inimizade com os orcs. Eles vivem muito tempo, considerados imortais por alguns, afastam-se totalmente do mundo ao chegarem à velhice. São seres mágicos, com habilidades incomuns, acabam se apaixonando por humanos devido seu crescimento rápido e paixão pela vida.
A descrição acima é generalista de propósito e pode ser encontrada em quase todos os livros de RPG ou fantasia espalhados por aí. O elfo que nos foi legado é aquele que apareceu nos livros da saga O Senhor dos Anéis e se tornou um dos personagens favoritos de muitos jogadores mundo afora. Arrogante, belos, entediados por sua longevidade, os elfos sempre adicionam pontos importantes à trama.
Quando eu pensei no mundo de Nordara eu pretendia usar outro cenário meu, Taenarum, como base para a sociedade. Em Taenarum os elfos seriam liderados por um grupo elitista que acreditava na supremacia élfica e na dizimação das outras raças. Eles escravizam os orcs e exterminam os humanos, restando apenas aos anões a difícil missão de impedi-los. Ainda assim, os elfos obedeciam ao mesmo padrão de beleza, magia e comunhão com a natureza.
Apesar de querer manter a identidade dos elfos em Nordara, eu queria que eles fossem diferentes de alguma forma, mas não apenas física ou socialmente, eu queria que eles fossem surpreendentes para o leitor, que houvesse encantamento ou entusiasmo ao serem usados em minhas histórias. Até este momento o mundo de Nordara apresentava, apenas, os humanos, que estavam divididos entre bnei shoah e ggoyim e havia poucas diferenças reais entre eles. Claro, no conto “O Monge” da coletânea Fantasias Urbanas eu apresentava os “Kyõhei” um dos povos do oriente, mas era uma aparição breve, de um personagem deslocado de sua cultura e sem muito tempo para me aprofundar nela.
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A criação de raças mágicas não precisa obedecer aos padrões sociais e culturais aos quais estamos acostumados.
Resolvi fazer a lição de casa, li sobre os elfos na mitologia, procurei referências literárias, busquei inspiração em jogos de videogame, literatura clássica, quadrinhos, mangás, música e toda sorte de expressão cultural humana que você possa imaginar. Desisti.
Continuei pesquisando para a escrita dos livros da saga O Baronato de Shoah e me aprofundei na cultura do Quinto Império, sem jamais me esquecer que haveria mais raças no mundo de Nordara. Eu não havia desistido de vez, eu havia dado espaço para a mente trabalhar melhor e esperei as influências virem até mim de forma espontânea. O Universo é um piadista de carteirinha e, quando você menos espera, ele joga na sua cara aquilo que você busca.
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Foi no começo deste ano que eu vi no Twitter que a escritora Ursula teria um livro publicado no Brasil, se eu não me engano, seu título era “A mão esquerda da escuridão” e a sinopse algo como “um emissário é enviado para o planeta Gethen a fim de convencer suas lideranças a se unirem à grande comunidade universal, chegando lá, ele se depara com uma sociedade quase medieval onde homens e mulheres são um só e nenhum ao mesmo tempo. Os indivíduos não possuem sexo definido e, como resultado, não há qualquer forma de discriminação de gênero, sendo essas as bases da vida do planeta.” Interessante, diferente, inspirador. Eu queria ler, claro, mas estava sem dinheiro e tempo na época.
Mesmo assim o conceito principal de um mundo sem sexo definido ficou na minha cabeça e eu voltei a pensar nos meus elfos. Deste ponto em diante, o raciocínio era o seguinte: e se, tal como os anjos da mitologia católica, os elfos fossem seres andróginos? Eles continuariam sendo belos e imponentes, mas um membro de outra sociedade jamais saberia dizer se o seu novo amigo “Thantaliazar” (ou qualquer outro nome élfico básico) era macho ou fêmea. E, o melhor disso, é que o próprio elfo jamais entenderia essa necessidade dos outros povos em categorizar seres vivos de forma tão polarizada, uma vez que isso nem sequer existe em sua sociedade e não há qualquer tipo de rebaixamento social por você ser homem, mulher, homossexual, transgênero, simpatizante. Na verdade, não haveria, entre os elfos, qualquer referência a diferenças sexuais.
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Como escritor, eu precisei conhecer as regras básicas, a ideia geral do que é um elfo, para poder transgredi-lo. Conhecer as regras a fundo é a melhor maneira de poder quebrar o status quo.
Por serem andróginos, os elfos teriam uma segunda característica: eles poderiam assumir um sexo à bel prazer. Sim, eles poderiam acordar um dia e decidir ser um exemplar macho de seu povo, tornando seus traços mais masculinizados, a voz mais grossa, barba rala e assumindo este papel social. Uma semana depois, cansado desta aparência, o elfo decidiria se tornar fêmea, com seios, voz mais aguda, quadril mais arredondado, etc. As mudanças seriam puramente físicas e o elfo teria de aprender a se comportar de acordo com o que cada cultura chamaria de macho ou fêmea.
Isto me deu ideias para vários problemas entre elfos e as demais raças de Nordara: como um humano machista e preconceituoso ia encarar o fato de que o elfo ao seu lado, um exímio lutador e arqueiro, hoje é uma garotinha fina e delicada e, no outro dia, um ser musculoso e barbado? Como os elfos iam aprender a se comportar de acordo com seu gênero? Será que eles aprenderiam ou cometeriam “gafes” aos olhos da sociedade ao seu redor, com comportamentos repreensíveis e sendo alvo de preconceito e homofobia?
A ideia mais interessante e que veio da minha esposa e agente literária, Mayara (@mayidea no Twitter), era a seguinte: um personagem da saga O Baronato de Shoah acabaria isolado dos demais e conheceria um elfo em seu estado natural andrógino, eles acabariam se apaixonando e o elfo, percebendo o conflito interno e o mal-estar que o Personagem está sentindo, opta por se tornar uma fêmea, mas AINDA ASSIM, se comporta de maneira normal, sem distinções sexuais ou comportamentos “tipicamente femininos”, como este Personagem da saga ia encarar esta mudança? Será que ele colocaria de lado seus preconceitos sociais e se deixaria levar por esta paixão “diferente”? Ou então ele pediria ao elfo para voltar a seu estado andrógino? Melhor ainda, o que este Personagem vai fazer quando voltar para sua sociedade, uma vez que seus conceitos sobre sexualidade foram drasticamente abalados?
O conceito dos elfos: sempre tive em mente que cada reino de Nordara trabalharia uma tecnologia diferente, Vapor, Diesel, Solar. Os elfos, como seres muito ligados à natureza, ficariam com este último: isolados dos combustíveis fósseis dos reinos, eles ia evoluir a partir da tecnologia solar, das marés e dos ventos. A energia limpa os sustentaria e eles também teriam muita dificuldade em entender por que as demais raças de Nordara eram tão afetas a poluir o mundo, quando podiam captar energia gratuita por aí sem muito esforço (as três energias básicas deles também teriam ligação com seus deuses, Elí-Síriar – o sol; Mianeh – a deusa do mar e Yenillor, o céu, vento, ar).
Para finalizar: meu desejo como autor era de trazer representatividade para meus livros, mas de uma forma que ela se encaixasse em meu mundo de fantasia. Eu não queria apenas colocar um personagem negro ou LGBT nas minhas páginas e deixá-lo como estereótipo, eu queria que ele fosse importante para a trama e para a construção de mundo, queria que ele fizesse muito mais do que ser o alívio cômico ou o drama exacerbado. Eu queria personagens fortes, que representassem as pessoas que eu conheço e convivo.